Abraços de PAUSA: parte II………………………………………. 16
Em dias fatigantes, ser abraçado por uma pausa é dádiva,
graça de vida (divina!) que nos devolve para nós mesmos,
lá onde nos perdemos no excesso e nem soubemos como, por que…
Só sei que uma pausa é ponte entre uma ação que termina e outra que começa exatamente ali:
Na ação de deixar a vida pausar.
VOLTEI CARO AMIGO que me acompanha diário(amente)!
Nada melhor do que uma boa pausa de descanso, uma noite bem dormida, para voltarmos revigorados às trilhas da vida cotidiana entre pausas, depois de um bom café.
Prosseguir é uma arte, um mistério que nos impulsiona, nos mantém vivos e refeitos nos laços, nos sentidos, nos afetos e nos projetos vitais em tempos de desassossego. Perseverar em algo nestes tempos incertos, é o fruto maduro de quem insiste em seguir semeando.
Estou me perguntando: “Por que” um abraço escrito e compartilhado em dois momentos? De repente, de uma pausa de descanso, fez-se um par de pausas que pudesse abraçar a sua extensão simbólica.
Volto a escrever esta segunda parte sobre o valor da pausa para aliviar esta tensão, que depois de posta nas palavras, ela cai no corpo cansado de sustentar a razão e a emoção, o dia e a noite, o perto e o longe, a margem e o abismo. Este corpo que é teatrum mundi das narrativas de minhas quedas e soerguimentos. De “meus eus” de todos os gêneros narrativos e lugares por onde cavei às margens da existência pausas e estações.
– Minha vida começou a pedir pausa dentro da “pausa imposta”
Foi assim, de repente, não menos que de repente… passadas as primeiras semanas a pausa tornou-se sinônimo de mais trabalho, novas configurações neste campo.
Da pausa obrigatória, fez-se uma questão: isso que estamos vivendo nestes tempos pandêmicos, na luta pela sobrevivência física e psíquica, é pausa, ou é exploração da economia dentro de nossas pausas? A questão passou a existir, pois foi posta pela consciência analisante. Tornou-se diálogo entre duas pausas distintas.
Foi então que, da pausa obrigatória, comecei a fazer pausas entre os trabalhos obrigatórios do mundo virtual, até mesmo porque o corpo começou a gritar, simultaneamente, com a mente do corpo e o espírito corpo. Estava deflagrada a manifestação reivindicatória dos corpos de meu corpo humano: “queremos pausa!”
Refugiar na “cultura da transgressão”, pela via da escrita, tornou-se a minha rota de fuga, a minha carta de alforria. Já desconfiava que este caminho de sobrevivência do sujeito de alma fugidia frente aos esquemas e crenças da eficiência seria minha forma existencial de não sucumbir ao discurso da proficiência dos que são reconhecidos pelo que produzem no sistema.
Pausar é preciso, o que brota dela, nem tanto, pois é da ordem da cultura do in’útil. Do não contabilizado.
– E assim, não menos que assim, da pausa fez-se poesia
Da pausa, fez-se poesia na via da escrita. Escrita sempre não-toda, sempre faltante… sim, é verdade! Mas, uma falta como fonte, como desejo abundante… nunca como campo estéril.
Uma poesia sempre nasce da pausa feita, seja em palavras, na escrita, ou no ócio operante, capaz de recriar.
Ao ser abraçado pela força da pausa, descobri uma letra que instaura um “estado de poesia” e que insiste em emergir na epiderme de meus sentidos, fazendo brotar afluentes líricos, multicoloridos e, ao mesmo tempo, formando algo ú(nico ), que nasce de dentro para fora, como que, de um oceano para uma nascente aos pés de uma serra verdejante.
É assim um estado de poesia: nasce grande, transbordante de mares longínquos…que termina como mina d’água encanada de desejos. Pouca água, mas que sacia.
– não menos que assim, a mina secou, o mar cresceu e fez-se deserto
Desejo encerrar a escrita deste abraço de pausa, levando comigo, nas palavras que haviam secado por sete dias e que, aos poucos, estão voltando depois de uma das piores notícias que recebi nesta pandemia: a da morte de um jovem amigo. Esta notícia veio sem poesia, sem simbólico e tomada de real. Aliás, quando se trata da morte, não há simbolismo, poesia, palavra boa de se dizer.
Daqui para frente, minha escrita muda o acento, o sentimento, até o findar deste abraço que pretendo ofertar a você, que julgo estar comigo me lendo e, talvez, a si próprio, quiçá de luto como tantos tempo em suspensão.
Numa pandemia as coisas são assim: de repente você está acordado em um lugar mais seguro, onde a casinha da felicidade começa a ser erguida depois do último “vento contrário”… aí vem uma nova tempestade e leva tudo que você investiu, embora, deixando-nos em desertos piores que antes, além de menos disposição.
Eis que a mina desapareceu!
O mar cresceu sobre o que já havia se fortalecido em minhas margens litorâneas, erguidas de palavras. De repente me vi parando tudo… precisava me preparar com o que sobrara em mim de forças, para me dedicar à morte de um amigo de 44 anos – recém celebrados na pandemia.
Numa pandemia – leia-se guerra – as pessoas não morrem só de contágio viral – aprenda com esta verdade. Tem muitas outras causas, que ainda nem podem ser contadas numericamente e nem tão pouco na palavra. Só depois que isso passar, seremos capazes de tal construção simbólica. Será um tempo das delicadezas da restauração da vida humana.
Tem muitas outras causas que geram oposição à vida: tensão, perdas súbitas de pessoas que amamos, perda de trabalho, de cuidados com a saúde física, emocional, social e espiritual; perdas de liberdades.
Isso faz parte da minha aceitação, do meu luto precário em meio a tantas lutas por sobrevivência durante uma pandemia, onde mais do que luto precisamos lutar para não sucumbir… até que a vida volte a jorrar com abundância nos dias livres e mais saudáveis. Então, neste tempo futuro próximo, muitos de nós teremos que lutar para que o luto seja vivido no seu caminho natural de sobrevivência psíquica.
– não menos que assim, do deserto brotou uma flor de poesia
Assim, não menos que assim, eu começo a cultivar uma flor de poesia duelando com a morte, ao menos no verso, para vencê-la na palavra, pois onde ela é real, da ordem do sem nome, eu ouso cavar símbolos em forma de palavra e de escrita.
Meu processo criador, meu “Livro do Gênesis”, nestes dias de confinamento começa do sétimo dia pra traz e não do primeiro. Como do movimento do mar à mina d’água. Do descanso em direção ao trabalho, desagua numa só pá…lavra poética que faz questionar a morte e a vida.
Oh morte, onde está a vida?
A vida que você ceifou no início daquela manhã de domingo.
A vida que foi adiada, implodida na sua retomada.
Oh morte, onde está a vida?
A vida do amigo que não consegui chegar a vê-lo.
A vida do encontro que não se realizou “naquela mesa”.
Oh morte, onde está a vida?
A vida dos meus dias de descanso adiada.
A vida das minhas andanças à procura de sentidos infindos.
Oh morte, onde está a vida?
A vida dos meus propósitos para este dia que declina sem sentido.
A vida das pequenas coisas que perdi nos tempos idos.
Oh vida, onde você está diante da morte?
Onde… onde vou ser sem adiar você?
Como vou ser sem você?
Oh vida, onde está a nascente vital que perdi?
Oh vida! Deixa-me viver com você,
para que, quando a minha morte me levar de você,
eu tenha deixado muito de mim por onde andei, passei e amei.
Deixando-me entre os vivos, eu viva sem medo da morte, para sempre.
Dai-me coragem para viver, não uma vida mais ou menos,
Um trabalho mais ou menos,
Uma dor mais ou menos,
Uma alegria mais ou menos.
Livrai-me de uma vida mais ou menos,
Pois uma vida mais ou menos, é mais ou menos vida
e, disso, nesta pausa que me abraça, eu tenho medo.